"Só sexo, disseram-me as amigas íntimas, quando eu ainda chorava com elas a saudade do êxtase. Só sexo, fogo e palha, talvez tenham razão. Mas é disso que trata a vida, a minha vida: só sexo. Contigo. O prazer que o meu corpo conhece é o que aprendeu no teu, e foi esse que o meu corpo ensinou aos outros homens, aos vários em que tentou enganar a tua ausência, ao único que soube contornar a tua ausência para permanecer em mim.
Todas as noites me acaricio com os teus dedos, fecho os olhos e sugo os teus dedos sob o contorno dos meus e conduzo-te pelo meu corpo como tu me conduzias. Todas as noites rebolamos da cama para o chão e do chão para cima da cómoda do teu quarto e para a mesa da sala e para as lajes frias da cozinha, todas as noites percorremos abraçados a casa velha onde já não moras, a casa velha que se calhar já se desmoronou sem a nossa ajuda. Todas as noites tu entras em mim por todas as portas, a tua língua silenciosa desperta vertigens desconhecidas nas partes secretas das minhas orelhas e das minhas pernas e dos meus pés. Todas as noites sinto o castanho dos teus olhos grandes dissolvendo-se nos meus com uma felicidade quente, imensa, vejo os teus quadris estreitos de rapaz dançando sobre o redondo do meu ventre, das minhas nádegas, todas as noites os teus dentes mordem o meu pescoço no sítio exacto em que o meu corpo guardava a última fechadura, todas as noites volto a subir a esse monte dos vendavais só nosso. Só sexo, seja.
Tantas vezes te pedi: "Diz-me que me amas, diz só uma vez. Mesmo que seja mentira. Diz-me. Só para eu guardar o som da tua voz a dizer essa palavra". Tinha vinte e três anos, e tu tinhas vinte e nove. Depois dos trinta, deixei de te fazer declarações de amor. Julgava-me madura, ardilosa - pensava que bastava prescindir das palavras para não te perder. Mas não eram as minhas palavras que te perdiam. Tu eras um pintor e já não ias ser pintor. Só com o tempo foste lendo o resto, o resto dos restos que era tudo: que eu sabia que tu eras pintor. O artista do meu corpo secreto, uivante, um tecido de fios de luz que só os teus dedos acendiam, e rios, rochas, relvados amaciados pela tua lingua, uma asa à medida do teu voo, uma casa em que tu moravas de todas as maneiras. Falavas pouco, quase nada, por isso me lembro tanto das tuas palavras todas: "Este apartamento já conheço, podemos passar ao outro?", perguntaste. Se eu contasse às minhas amigas que as tuas palavras eram estas, apenas estas, sussuradas com um sorriso trocista de timidez, elas fariam troça de mim. De nós. Por isso contei apenas o essencial: que tu me fazias sentir bela. Que conseguiste que eu me sentisse bela a vida inteira. De cada vez que o espelho me anunciava mais uma marca do tempo, mais uma prega na carne, eu acariciava-a com os teus dedos, sentindo o prazer que tu sentirias, ao descobrires novas rotas no mapa do meu corpo. No início, dizias-me também às vezes: "És tão nova". Não era um elogio; havia um tom de decepção ou desencontro nesse teu comentário. E eu tinha pressa de encarquilhar, de envelhecer até ficar parecida com as mulheres que amaras antes de mim. Nunca me elogiaste. Encontrávamo-nos por causa do Partido, levavas-me para tua casa, com os pretextos mais nevoentos - um debate político na televisão, o ofício que ias entregar ao Ministério -, e quando fechavas a porta começavas a beijar-me. As pálpebras, o lóbulo da orelha, a curva do pescoço ou o espaço entre os dedos. Só sexo. Nunca começavas como nos filmes. Também nunca perguntaste essas patetices deprimentes que as pessoas copiam dos filmes: "Foi bom?".
Saí do consultório e pensei que tinha de te encontrar. Não sabia como. Há pelo menos vinte anos que não tenho o teu telefone. Um dia desisti de ti. Tive medo de deixar de fazer parte do mundo, de continuar sozinha contigo, só sexo."
Excerto do conto "Só sexo" do livro "Fica comigo esta noite" de Ines Pedrosa
3 comments:
ylena,
é só ires á livraria!
katrina[SB],
boa escolha de literatura... mas tb te digo que se em 20 anos a moça não encontrou melhor na cama... ou é porque não procurou com o devido entusiasmo (e mereçe o que lhe aconteceu) ou então a vizinhança é mt pobrezinha... ;)
um beijo!
Lol Dono essa teve graça...
Um dia empresto-lhe o livro pra ter melhor visao deste conto...
Um beijo grande
ok... fico á espera.. qd te devolver os que já me emprestaste á uns mesitos atrás :$
Post a Comment